Uma série de documentos incluindo provas digitais já apresentadas em processos judiciais, decisões oficiais e denúncias protocoladas em órgãos de fiscalização expõe indícios de favorecimento irregular no setor odontológico da Paraíba.
No centro da polêmica estão a operadora Unidentis Assistência Odontológica Ltda. e a empresa “Quero Mais Benefícios”, apontadas em representações como participantes de um arranjo que teria restringido a concorrência, violado a liberdade contratual de empregadores e trabalhadores e afrontado normas regulatórias.
Exclusividade imposta em convenções coletivas
Convenções coletivas firmadas entre sindicatos da Paraíba e empresas de alimentação e hospedagem estabeleceram cláusulas de contratação exclusiva de planos odontológicos por meio da gestora “Quero Mais Benefícios”.
Segundo denúncias formais, essa medida eliminou a possibilidade de escolha de outras operadoras, obrigando empresas a rescindir contratos legítimos, sob pena de multa por trabalhador.
Ligação societária sob suspeita
As denúncias destacam a proximidade societária entre a gestora “Quero Mais Benefícios” e a direção da Unidentis. Documentos oficiais apontam que o responsável pela empresa é Caio Borges do Amaral, filho dos sócios da Unidentis, sediada em João Pessoa.
De acordo com os relatos, as duas companhias:
• Compartilham endereço e estrutura;
• Utilizam os mesmos funcionários e sistemas;
• Têm a mesma encarregada de proteção de dados, em possível afronta à LGPD;
• Já foram alvo de representações por indícios de atuação conjunta para restringir o mercado odontológico.
Entre as alegações também estão credenciamento simulado e exercício de funções típicas de administradora de benefícios sem o devido registro na ANS.
Cronologia controversa
A sequência dos fatos levantada pelas representações revela inconsistências:
• A convenção coletiva foi registrada em 7 de maio de 2025;
• O edital de credenciamento só foi publicado em 31 de maio;
• Apesar disso, a Unidentis já constava como “credenciada” desde 1º de maio, conforme termo assinado pela própria “Quero Mais”;
• Mensagens em grupos de WhatsApp, desde abril, já anunciavam a Unidentis como fornecedora oficial.
Esses elementos reforçam a suspeita de que o credenciamento teria sido apenas um ato formal para legitimar uma exclusividade pré-definida.
Decisão judicial histórica
O TRT da 13ª Região acolheu a tese de empresas que contestaram as cláusulas. O relator, juiz convocado Antonio Cavalcante da Costa Neto, destacou:
“As demandantes afirmam, de forma expressa, que a cláusula objeto da controvérsia as atinge de modo direto, impondo obrigações contratuais compulsórias e interferindo na organização interna das relações de trabalho, com supressão de autonomia negocial e limitação na escolha de fornecedores e na gestão de benefícios.”
E foi além:
“Empresas não signatárias de norma coletiva possuem legitimidade ativa para postular, em juízo, o afastamento dos efeitos de cláusula convencional que alegadamente viole direitos subjetivos próprios, mediante controle incidental de legalidade.”
Essa decisão abre precedente robusto contra cláusulas que possam sufocar a livre concorrência.
Atuação sem registro na ANS
Outro ponto central das denúncias é que a empresa “Quero Mais Benefícios” não possui registro na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), exigência legal para quem exerce a função de administradora de benefícios.
Apesar disso, documentos apontam que ela desempenhou essa atividade, validada por convenções coletivas. Representações com provas foram encaminhadas à ANS e ao CADE, que agora analisam o caso.
Repercussão política e social
O impacto ultrapassou os tribunais. Deputados federais e vereadores da Paraíba se manifestaram em plenário e nas redes sociais, criticando a prática de exclusividade e alertando para os riscos de cartelização no setor.
Essas manifestações públicas reforçam que o caso não é mera disputa empresarial, mas um problema de interesse coletivo.
O que está em jogo
Especialistas alertam que, se confirmadas as denúncias, o episódio poderá se tornar um exemplo de como cláusulas coletivas, sindicatos e empresas podem ser instrumentalizados para restringir a concorrência em detrimento de consumidores e empregadores.
O advogado Márcio Maranhão, que acompanha o caso na Justiça do Trabalho, afirmou:
“Essa decisão judicial histórica é um marco para a defesa do livre mercado. É preciso impor limites a modelos que concentraram poder e sufocaram a concorrência sob o pretexto de proteção trabalhista.”
Conclusão
Enquanto as investigações seguem nos tribunais e órgãos reguladores, cresce a mobilização social e política por respostas. O que deveria ser um instrumento de proteção coletiva não pode se transformar em negócio privado, com prejuízo à liberdade de muitos.