O Governo Federal publicou nesta terça-feira (1º) o Decreto 10.710/2021, que estabelece a metodologia e os critérios para que os prestadores de serviços públicos de abastecimento de água potável e de esgotamento sanitário comprovem a capacidade econômico-financeira para cumprir as metas de universalização estipuladas pelo novo Marco Legal do Saneamento. A medida leva em conta os contratos regulares em vigor.
O Marco Legal estipula que, até 2033, 99% da população brasileira deve ter acesso a água potável e 90%, a tratamento e coleta de esgoto. A comprovação de capacidade econômico-financeira tem como foco garantir que os prestadores de serviços públicos nessas áreas tenham capacidade de cumprir essas metas.
“Este decreto vem garantir à população que as empresas que assumiram os serviços públicos de saneamento básico têm condições de cumprir as metas de universalização e de prestar um serviço de qualidade”, afirma o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho. “Além disso, estamos estabelecendo critérios claros para dar previsibilidade e segurança jurídica ao investidor que se interessar em atuar no setor”, completa.
Os requerimentos de comprovação de capacidade econômico-financeira deverão ser apresentados pelos prestadores de serviço a cada entidade reguladora responsável pela fiscalização dos contratos até 31 de dezembro deste ano. A data-limite para a finalização do processo, já considerando decisões sobre eventuais recursos administrativos, é 31 de março de 2022.
O pedido deverá ser acompanhado de oito tipos de documentos para avaliação (confira lista ao final da matéria). O material deve ser apresentado de forma organizada e objetiva, em formato digital, com a inclusão de sumário com a relação de todos os itens exigidos.
O prestador deverá encaminhar à Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) cópia do protocolo do requerimento de comprovação de capacidade econômico-financeira feito à entidade reguladora competente, acompanhada de cópia do requerimento e de toda a documentação no prazo de até cinco dias a partir da data do protocolo do pedido.
A entidade reguladora competente também poderá requisitar a apresentação de informações e documentos complementares, inclusive laudos e pareceres específicos a serem elaborados por entidades de notória reputação.
Quem deve apresentar a documentação
A medida atinge dois tipos de prestadores de serviços de saneamento básico. O primeiro é relativo às companhias que exploram a atividade com base nos chamados contratos de programa. Essa modalidade de acordo é feita quando os municípios transferem a execução dos serviços de que são titulares a uma empresa estatal, normalmente estadual.
A comprovação deverá ser apresentada ainda que já tenham sido celebrados termos aditivos entre as empresas e as administrações municipais para estipular as metas de universalização impostas pelo Marco Legal do Saneamento.
Nos casos em que os contratos de programa tenham vigência encerrada antes de 31 de dezembro de 2033, a análise deverá considerar o cumprimento das metas de forma proporcional ao período em que o acordo estará ativo.
A segunda modalidade é voltada às companhias privadas que tenham contratos de concessão ou de parceria público-privada. Nesses casos, os contratos terão sua segurança jurídica preservada, mas as comprovações de capacidade serão pré-requisito para eventuais aditamentos aos contratos para estabelecer as metas de universalização.
Avaliação de capacidade econômico-financeira
As avaliações da capacidade econômico-financeira serão feitas pela entidade reguladora dos serviços em duas etapas. Podem ser órgãos municipais, estaduais ou regionais.
Na primeira fase, de caráter eliminatório, será analisado o cumprimento de quatro índices referenciais mínimos dos indicadores econômico-financeiros. São eles: índice de margem líquida sem depreciação e amortização superior a zero; índice de grau de endividamento inferior ou igual a um; índice de retorno sobre patrimônio líquido superior a zero; e índice de suficiência de caixa superior a um.
A verificação será feita a partir da apresentação das demonstrações contábeis consolidadas do grupo econômico a que pertence o prestador dos últimos cinco exercícios financeiros, já exigíveis e devidamente auditados.
Na segunda etapa, as concessionárias terão avaliadas a adequação dos estudos de viabilidade e o plano de captação de recursos. Para obter a chancela, o prestador deverá comprovar que o plano está compatível com os estudos de viabilidade e que esses estudos resultam em um fluxo de caixa global com valor presente líquido igual ou superior a zero. Essa métrica é utilizada para saber qual o valor atual de um investimento e sua rentabilidade.
Quando o mesmo prestador for titular de contratos submetidos a entidades reguladoras diferentes, elas poderão celebrar acordo de cooperação técnica para apreciação conjunta do pedido. Caso haja entendimentos conflitantes em relação ao mesmo prestador de serviço, a ANA poderá atuar como mediadora.
Ao fim da instrução processual, a entidade reguladora deverá emitir decisão fundamentada que conclua pela comprovação ou não da capacidade econômico-financeira do prestador. Após isso, a entidade reguladora encaminhará cópia do processo à ANA, que deverá disponibilizar em seu sítio eletrônico ao menos as manifestações técnicas e as decisões da entidade reguladora, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas em lei.
O Decreto também estabelece condições em que a comprovação da capacidade econômico-financeira poderá perder automaticamente seus efeitos. Uma delas é quando o requerimento estiver baseado em repactuação tarifária que não seja aprovada até 30 de setembro de 2022, de modo a comprometer o atendimento à exigência de valor presente líquido igual ou superior a zero; ou quando o requerimento tiver se baseado em aporte, contraprestação pecuniária ou subsídio do estado ou município, caso seja descumprido o cronograma de pagamentos previsto, de modo a comprometer o atendimento à exigência de valor presente líquido igual ou superior a zero.
Também há previsão de cancelamento nos casos em que a captação de recursos não for cumprida nos prazos fixados, ainda que por meio de fontes distintas daquelas originalmente previstas no plano de captação. Outra possibilidade é se, até 31 de dezembro de 2023, não for comprovado o encerramento da prestação de serviços públicos de abastecimento de água potável ou de esgotamento sanitário de forma precária.
Estudos de viabilidade econômica
Os estudos de viabilidade deverão apresentar as estimativas de investimentos necessários para que as metas de universalização para cada contrato regular em vigor sejam atingidas – sejam de abastecimento de água ou de coleta e tratamento de esgoto – e informar qual investimento global será feito. Também deverão demonstrar o fluxo de caixa global esperado para o prestador e para cada contrato regular em vigor, já com base nas metas de universalização dos serviços.
A documentação de viabilidade econômica deverá adotar quatro premissas para sua construção. A primeira delas estipula que a estimativa de receitas tarifárias futuras deverá ter como base as receitas reais apuradas no ano mais recente, ajustada para eventual repactuação tarifária. Nesses casos, deverá incidir sobre ela o crescimento anual proporcional ao crescimento das ligações ativas de água e esgoto até que as metas de universalização sejam alcançadas.
Outra premissa é que a margem LAJIDA seja equivalente à média dos últimos cinco anos. Ela poderá incorporar ganhos futuros de eficiência operacional e comercial, desde que sejam compatíveis com a tendência histórica. A margem LAJIDA é o indicador econômico-financeiro calculado a partir da divisão entre os lucros antes dos juros, impostos, depreciação e amortização (LAJIDA) e a receita operacional.
O terceiro princípio propõe que a taxa de desconto dos fluxos futuros de entradas e saídas de caixa deverão refletir, no mínimo, a taxa de longo prazo (TLP) divulgada pelo Banco Central. Por fim, o índice de cobertura do serviço da dívida – que é a razão entre a margem LAJIDA e a soma dos pagamentos de juros e amortização dos recursos de terceiros – deverá ser igual ou maior que 1,2, admitido o prazo de carência de até quatro anos.
Os estudos de viabilidade não poderão prever a ampliação do prazo de vigência dos contratos de programa; a amortização de recursos de capital de terceiros posteriormente ao prazo do contrato; a amortização de investimentos em bens reversíveis após o prazo do acordo; e a indenização por valor residual de investimentos em bens reversíveis ao final do contrato. Nesse último caso, isso só poderá ocorrer se houver uma cláusula prevendo essa modalidade nos contratos vigentes até a data de publicação do Decreto.
Planos de captação de recursos
Por sua vez, os planos de captação de recursos deverão conter algumas informações básicas para a avaliação da sua viabilidade. A primeira é relativa à estratégia de captação. Nela, deverão ser discriminadas as fontes de recursos próprios ou de terceiros para atender o total de investimentos a serem feitos.
Os prestadores também deverão indicar os agentes financeiros com quem farão a captação de recursos de terceiros até 31 de dezembro de 2026. A legislação também estipula que, quando houver situações de financiamento, deverão ser apresentadas cartas de intenções emitidas por instituições financeiras que indiquem a viabilidade do crédito. Já nas ocasiões de emissões de debêntures, deverá ser encaminhada a viabilidade da emissão.
Outra informação que deverá constar do plano de captação é a previsão de captação mediante capital próprio integralizado ou recursos de terceiros em três períodos para as despesas de capital a serem realizadas: de 31 de dezembro de 2022 a 31 de dezembro de 2026; 31 de dezembro de 2026 a 31 de dezembro de 2030; e de 31 de dezembro de 2030 a 31 de dezembro de 2033.
Prestação regionalizada
Caso o prestador não consiga comprovar a capacidade para todo o universo de contratos de que seja signatário, ele poderá, em caráter excepcional, fazer a comprovação por estrutura de prestação regionalizada, desde que exista definição prévia das estruturas de prestação regional dos serviços que assegure a viabilidade técnica e econômico-financeira para a universalização.
Dessa maneira, os estudos de viabilidade deverão demonstrar o fluxo de caixa global da estrutura de prestação regionalizada e o fluxo de caixa de cada contrato regular em vigor dos municípios que integram essa estrutura. Para tanto, o prestador deverá deter contratos que possam ser agrupados, de modo a atender todos os municípios constantes do bloco regional.
Além disso, a empresa deverá constituir sociedade de propósito específico, até 31 de dezembro de 2022, para atender à prestação regionalizada. Essa organização deverá assumir os contratos de prestação de serviços públicos de saneamento básico junto aos municípios integrantes do bloco regional mediante sub-rogação contratual.
Por fim, o fluxo de caixa global de cada estrutura de prestação regionalizada deverá ter valor presente líquido igual ou superior a zero. A estrutura de ativos, passivos, receitas e despesas transferidos para a sociedade de propósito específico deverá corresponder à estimada no fluxo de caixa global.
A comprovação pode ser automaticamente cancelada para prestação regionalizada se não for constituída a sociedade de propósito específico até 31 de dezembro de 2022 ou se a estrutura de ativos, passivos, receitas e despesas efetivamente transferidos à sociedade de propósito específico não corresponder àquela estimada no fluxo de caixa regionalizado.
Os estudos para estruturação de parcerias nos municípios cujo prestador não comprove capacidade econômico-financeira poderão ser considerados iniciativas prioritárias para acessar recursos do Fundo de Apoio à Estruturação e ao Desenvolvimento de Projetos de Concessão e Parcerias Público-Privadas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (FEP).
Empresas públicas e sociedades de economia mista
O Decreto também prevê medidas para ocasiões em que empresas públicas ou sociedades de economia mista sejam submetidas a processo de desestatização. Nesses casos, a capacidade econômico-financeira será presumida. Para tanto, deverão ser atendidas algumas condições.
Uma delas é que o controlador deverá apresentar, até 31 de dezembro de 2022, requerimento às entidades reguladoras competentes para decisão sobre a capacidade econômico-financeira da empresa pública ou sociedade de economia mista. Esse documento deverá ser acompanhado de comprovação da contratação de estudos e atos necessários à desestatização, com mandato para venda em caso de viabilidade econômica da operação.
Também deverá ser apresentada a autorização legislativa geral ou específica para a desestatização. Esse documento deverá ser apresentado até 31 de dezembro de 2022.
Os novos contratos de concessão que substituirão os contratos de programa a serem celebrados em conjunto com a desestatização deverão comprovar que as metas de universalização serão atendidas. Além disso, o processo de desestatização deverá ser feito de modo compatível com as estruturas de prestação regionalizada.
O processo de desestatização deverá ser concluído até 31 de dezembro de 2024. A falta de apresentação de requerimento pelo prestador e, quando aplicável, por seu controlador implicará a ausência de comprovação de capacidade econômico-financeira do prestador.
Documentos para avaliação
• Cópia dos contratos regulares em vigor de prestação de serviços de abastecimento de água potável ou de esgotamento sanitário de que seja titular, com a inclusão dos respectivos anexos e termos aditivos;
• Minuta de termo aditivo que pretenda celebrar para incorporar ao contrato as metas de universalização, acompanhada de declaração de anuência do titular do serviço;
• Demonstrações contábeis consolidadas do grupo econômico a que pertence o prestador, devidamente auditadas, referentes aos últimos cinco anos já exigíveis;
• Demonstrativo de cálculo dos indicadores econômico-financeiros;
• Laudo ou parecer técnico emitido por auditor independente que ateste a adequação do demonstrativo de cálculos dos indicadores econômico-financeiros aos parâmetros e aos índices referenciais mínimos;
• Estudos de viabilidade econômica;
• Plano de captação de recursos; e
• Laudo ou parecer técnico de certificador independente que a adequação dos estudos de viabilidade e do plano de captação às exigências do Decreto