As revisões da Lei Complementar 123/2006 quanto à receita bruta máxima para enquadramento como microempresa (ME) ou empresa de pequeno porte (EPP) não descaracterizam o crime de inserção de informação falsa em documento público cometido anteriormente para fins de participação em licitações.
Esse entendimento foi utilizado pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça para afastar a absolvição sumária de duas empresas acusadas de apresentar em 2011 declarações falsas para participar de licitação restrita a MEs e EPPs, pois ultrapassavam os limites máximos de receita bruta anual previstos à época na LC 123/2006.
Considerando a entrada em vigor da LC 139/2011 (que alterou a LC 123/2006, elevando os limites de receita bruta), o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) decidiu pela ocorrência de abolitio criminis, sob o argumento de que as empresas se enquadravam nos novos patamares previstos na legislação.
Em seguida, o Ministério Público Federal recorreu ao STJ alegando que a intenção do legislador ao alterar os valores para enquadramento como ME ou EPP não foi abolir eventuais fraudes cometidas antes, mas apenas adequar tais montantes à inflação.
Benefício aos pequenos
Segundo o relator do recurso, ministro Ribeiro Dantas, o tratamento mais benéfico às microempresas e empresas de pequeno porte tem a finalidade constitucional de criar um ambiente jurídico favorável aos empreendimentos que, por seu tamanho reduzido, não podem competir em condições de igualdade com os “gigantes do mercado”. Assim, para tornar objetiva essa condição, a legislação fixou um limite de receita bruta suscetível às variações inflacionárias.
“A propósito, a atualização do teto de receita bruta das EPPs, dos R$ 2,4 milhões fixados em 2006 para os R$ 3,6 milhões da Lei Complementar 139/2011, corresponde a pouco mais do que a inflação acumulada no período (30,78%, conforme o IPCA)”, comentou o ministro.
Ribeiro Dantas afirmou que as sucessivas revisões dos quantitativos máximos da LC 123/2006, para fazer frente à inflação, não se aplicam a anos anteriores, ainda que para fins criminais, sob pena de se instituir uma grave distorção concorrencial e atentar contra os próprios objetivos da lei. Afinal, justificou ele, uma receita bruta de R$ 3,6 milhões em 2012 representa, na prática, um poder aquisitivo menor do que o mesmo montante em 2011.
No caso em questão, frisou o ministro, a acusação não diz que as duas empresas não são hoje MEs ou EPPs, mas, sim, que, no específico ano-calendário de 2011, não tinham essa qualificação, a qual teria sido atestada falsamente por seus dirigentes. No entender do relator, as alterações legais posteriores são incapazes de modificar a dinâmica fática já ocorrida, porque a conduta delitiva imputada aos réus é a falsa declaração de uma situação fático-jurídica então inexistente.
“Uma modificação legislativa que dê novo enquadramento ao atual regime das empresas não muda o fato de que, em 2011, a informação prestada à Administração Pública foi, em tese, falsa”. Ao dar provimento ao recurso do Ministério Público, a 5ª Turma determinou que o processo retorne ao primeiro grau para regular seguimento. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.
Clique aqui para ler o acórdão
AREsp 1.526.095