Luiz Fernando Ribeiro, de 27 anos, candidatou-se a uma vaga de estágio como desenvolvedor em 2018. Para avançar no processo seletivo, recebeu a tarefa de construir um site seguindo instruções enviadas pela empresa, que eram estranhamente complexas e detalhadas em comparação aos pedidos de outros recrutadores. Sem o conhecimento necessário para entregar o teste, ele avisou que não poderia seguir na disputa. Depois, conversando com outros candidatos, descobriu que o esboço exigido era, na verdade, um serviço que a empresa pretendia entregar a um de seus clientes.
Casos como o de Luiz mostram que não são apenas os candidatos que exageram suas habilidades e suas qualificações nos currículos para conquistar um emprego, como mostrou reportagem do EXTRA há duas semanas. Muitos leitores reagiram dizendo que, nos processos seletivos também há muitas “pegadinhas” e mentiras das empresas, como suavizar as responsabilidades do cargo ou exagerar no salário oferecido, misturando pagamento fixo com comissões, bônus e outras remunerações variáveis. Há ainda as que publicam vagas que não existem para chamar a atenção em redes sociais.]
Em agosto de 2023, a plataforma de currículos Resume Builder entrevistou 1.060 gerentes e líderes empresariais envolvidos em recrutamentos. A sondagem revelou que 36% admitiram mentir para candidatos sobre o cargo ou a empresa no processo de contratação para seduzir talentos. Destes, 75% costumam faltar com a verdade na entrevista. Outros são imprecisos no comunicado sobre a vaga (52%) e no documento em que encaminham a proposta ao escolhido (24%). Na pesquisa, as mentiras mais comuns envolvem responsabilidades do cargo e oportunidades de crescimento e de desenvolvimento na empresa.
Laís Vasconcelos, gerente da consultoria de recrutamento Robert Half, diz que acontece de empresas divulgarem vagas que não existem. Algumas usam os anúncios para alavancar o engajamento em redes sociais ou construir um banco de talentos. Os candidatos que se inscrevem nessas vagas ficam desanimados, já que nunca conseguem retorno, mas o maior problema é quando os funcionários da empresa veem o anúncio e passam a especular que algum colega será desligado. Outras firmas divulgam vagas inexistentes apenas para pesquisar a remuneração média dos concorrentes, com base nas entrevistas dos candidatos.
— O RH pode usar o salário médio de outras empresas como argumento para defender uma remuneração interna mais adequada, por exemplo — diz Laís.
Luiz, o candidato enganado na seleção de estágio, diz que já notou anúncios de vagas que ficam abertos por meses, sem que alguém seja chamado, na área de tecnologia:
— É vaga fantasma. Você envia dados, e nada acontece.
A presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos do Rio (ABRH/RJ), Lúcia Madeira, explica que outra motivação das vagas falsas é a tentativa de empresas encontrarem clientes:
— Uma empresa vende um produto financeiro, por exemplo, que tem como alvo executivos de finanças. Então, publica uma vaga para diretor financeiro, consegue um banco de nomes e depois tenta vender o produto a eles.
Lista de contatos pessoais
Como exemplo, se as empresas pedem listas de contatos pessoais — ou até indicações de clientes — na entrevista, a vaga tem risco de ser “pegadinha”, alerta Lúcia. Quando exige que o candidato venda produtos em alguma fase do recrutamento, pode ser que a empresa só esteja buscando alguém que trabalhe gratuitamente.
Outro ponto que merece atenção especial dos candidatos na hora de buscar uma oportunidade no mercado de trabalho, alerta Laís, da Robert Half, é que durante a contratação os ineressados na vaga não costumam ser informados se a empresa está reduzindo o quadro de funcionários, por exemplo, o que potencialmente resultará em um acúmulo de responsabilidades. Por isso, é muito importante pesquisar exaustivamente sobre a situação da companhia para a qual se está aplicando, diz a especialista.
— Imagine que uma empresa trocou um funcionário sênior por três iniciantes. O candidato se inscreve para determinada vaga, mas acabará desempenhando funções de nível mais avançado — completa Laís.
Na pandemia, o desenvolvedor Felipe Carvalho, de 26 anos, se inscreveu para uma vaga e passou em todas as fases do processo. Na hora de assinar o contrato, descobriu que precisaria trabalhar horas a mais todos os dias para cobrir a escala, sem ser remunerado pelo tempo extra.
Em outra seleção, Felipe chegou a ser contratado por uma empresa que dizia ter “plano de carreira”. A promessa era de que, em seis meses, haveria uma reunião sobre o seu desenvolvimento como funcionário. O tempo passou, e o encontro nunca aconteceu.
Outro problema comum é a empresa incluir no salário anunciado valores que variam, como comissão e bônus, diz Larissa Maschio Escuder, advogada trabalhista do escritório Jorge Advogados:
— O candidato descobre que o salário é bem baixo e que a remuneração do anúncio esconde comissões, sem regras claras. Para receber o que foi prometido na entrevista, precisaria de horas extras.
Sem cobrança de taxas
Empresas também não devem cobrar taxas dos candidatos, ela lembra, e eles não podem se sentir pressionados a aceitar ofertas de trabalho. Além disso, os anúncios de emprego devem sempre descrever claramente as responsabilidades da vaga.
— Cheque também se o salário está dentro do praticado no mercado, comparando com anúncios de outras empresas. Valores muito acima da média podem esconder golpes ou comissões — conclui a advogada.
A advogada trabalhista Stephane Rocha lembra que empresas que publicam vagas falsas podem ser denunciadas ao Ministério Público do Trabalho (MPT) e penalizadas com multas. O contratado enganado pode apelar à rescisão indireta, instrumento conhecido como “justa causa do patrão”, e ainda processar o empregador, exigindo indenização por danos morais. Se comprovar que a empresa fere leis trabalhistas ou descumpre o contrato de trabalho, o empregado ainda recebe a multa rescisória de 40% do FGTS na saída e fica elegível ao seguro-desemprego.