Um dos dispositivos derrubados de forma inoportuna e inconsistente é a reserva de recursos em conta vinculada, poderoso incentivo para a pontualidade no cumprimento das obrigações de pagamento pelas Administrações
Segundo levantamento feito pelo Tribunal de Contas da União (TCU), o Brasil possui atualmente um estoque de mais de 14 mil obras públicas paralisadas. Trata-se de um dado impressionante, que retrata um imenso custo social e econômico para o país. A causa preponderante da paralisação da execução de obras públicas, segundo o mesmo TCU, são intercorrências no fluxo financeiro e orçamentário dos pagamentos públicos. É o que dizem os Acórdãos 1.188/2007 e 1.079/2019, ambos do Plenário do tribunal. Daí que o principal entrave que vem impedindo a continuidade da execução de obras públicas no Brasil é o inadimplemento público, motivado pelo “contrabando” de recursos afetados ao custeio do contrato para outras finalidades. Isso significa que a previsão de dotação orçamentária, exigida pela legislação para o custeio da execução dos contratos, não tem sido um mecanismo eficaz para evitar a evasão dos recursos programados e a frustração do pagamento.
No projeto legislativo que originou a nova lei de licitações e contratos públicos constavam dispositivos cujo objetivo era justamente mitigar o risco de insuficiência de recursos orçamentários para viabilizar os pagamentos públicos relacionados à execução de obras públicas e serviços de engenharia. Tratava-se da previsão da obrigatoriedade da reserva de recursos orçamentários em conta vinculada para fazer frente a estas despesas (§§ 2º e 3º do art. 115 e parágrafo único do art. 142). Estes dispositivos foram objeto de veto presidencial e acabaram suprimidos na Lei 14.133/2021, sob a justificativa que a reserva ensejaria o empoçamento de recursos, impedindo sua utilização para outras finalidades. Com a sua supressão, a sistemática da reserva de recursos deixou de ser obrigatória para contratos de obra e serviços de engenharia — embora siga sendo admitida pela legislação.
O fato é que a obrigatoriedade da adoção desta sistemática significaria um poderoso incentivo para a pontualidade no cumprimento das obrigações de pagamento pelas Administrações, a provável causa prevalente do imenso número de obras inacabadas no Brasil. A reserva de recursos em conta vinculada é apta a impedir o manejo discricionário de recursos orçamentários e a interrupção do fluxo financeiro e orçamentário para o cumprimento das obrigações de pagamento dos contratos de obra e serviços de engenharia. Por outro lado, não é correto afirmar-se que essa solução abriria a porta para o risco de empoçamento de recursos, como supôs a motivação do veto presidencial. É que a reserva de recursos, nos termos propostos pelas normas vetadas, estaria associada apenas à execução da etapa da obra ou do serviço. Sua indisponibilidade estaria limitada ao tempo da implementação de cada etapa da execução do contrato, não ensejando o alegado empoçamento.
Por isso, o veto presidencial a estes dispositivos me parece inoportuno e com motivação inconsistente. É lamentável, enfim, que solução desta natureza tenha sido suprimida da nova lei de licitações pela via do veto presidencial. Afinal, destinava-se a coibir a principal causa da paralisação de obras públicas no país, um dos temas de maior preocupação durante o debate legislativo. Resta agora ao Congresso Nacional votar pela rejeição destes vetos, sob pena de seguirmos convivendo com o infeliz cacoete do inadimplemento. E com novos esqueletos de obras paralisadas.
Fernando Vernalha é advogado, do Vernalha Pereira Advogados.
Artigo original: https://cbic.org.br/artigo-o-que-obras-publicas-paralisadas-tem-a-ver-com-vetos-a-nova-lei-de-licitacoes/