Inspiradas em empresas estrangeiras, principalmente dos EUA, instituições de ensino brasileiras estão oferecendo um novo tipo de financiamento estudantil, em que o aluno só paga depois de formado e se estiver empregado, ganhando uma renda mínima mensal. A opção, chamada ISA (Income Share Agreement, em inglês – contrato de compartilhamento de renda), tem sido oferecida principalmente para cursos no setor de tecnologia. As instituições buscam aproveitar a combinação de alta demanda por profissionais do setor com a flexibilidade nas exigências de qualificação. Muitas empresas não pedem que os funcionários tenham feito graduação; cursos mais curtos já bastam.
Pelo modelo, o estudante assina um contrato de financiamento antes de começar o curso, em que concorda em pagar um percentual de sua renda no futuro para abater a dívida. Segundo as escolas, os contratos têm prazo de duração: se o estudante não conseguir pagar todo o valor devido no período acordado, a dívida é perdoada. Os termos também incluem uma renda mínima, ou seja, o aluno só paga a parcela se estiver ganhando, no mínimo, o salário estabelecido no contrato.
Na Blue, uma escola de tecnologia, por exemplo, o curso de programação com duração de 12 meses custa R$ 18 mil. O estudante começa a pagar quando estiver empregado, recebendo um salário de no mínimo R$ 3.500 mensais. As parcelas são de 15% da renda. Ou seja, se o salário for de R$ 3.500, a parcela é de R$ 525. Se ganhar mais, paga mais. A escola afirma que mantém contato com os alunos para saber quando estão empregados ou não.
Os contratos duram cinco anos, e o valor devido é corrigido pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo). A Blue afirma que, se depois de cinco anos o aluno não quitar o montante corrigido, a dívida é perdoada.
Há outras opções no mercado, com cursos de maior ou menor valor. A fintech Provi opera esse tipo de sistema desde 2019, atuando como intermediária entre alunos e instituições de ensino. A empresa recebe parte das mensalidades pagas pelos alunos ou, então, antecipa o capital para que as escolas possam funcionar.
Ana Baraldi, sócia e head de inovação da Provi, afirma que os cursos têm duração entre seis meses e um ano, com custo que varia de R$ 6.000 a R$ 40 mil. O valor da renda mínima estabelecida nos contratos para o pagamento das parcelas é de R$ 1.500 a R$ 3.500. A fintech oferece o modelo para aulas online em 20 escolas parceiras distribuídas pelo país.
Mesmo quem está com o nome negativado pode participar das seleções. Até agora, a Provi fechou contratos com 1.500 estudantes. De acordo com Baraldi, considerando quem terminou o curso há pelo menos 90 dias (por volta de 400 pessoas), 68% conseguiram emprego.
Depois de formado, o estudante precisa informar mensalmente se está empregado e qual salário está ganhando. A Provi diz usar bases públicas, dados internos e documentos que o próprio aluno envia para checar se as informações são verdadeiras.
A política para os casos de desistência varia de acordo com a escola. Por exemplo, na Blue, a pessoa tem um mês para decidir se prossegue ou não no curso. Quem desistir depois do primeiro mês paga o valor proporcional aos meses que cursou. Mas a multa só é cobrada se a pessoa estiver empregada no setor de TI, com a renda mínima estipulada no contrato.
Na Kenzie, escola norte-americana que veio para o Brasil em 2019, o aluno que desistir precisa pagar uma multa proporcional ao período que cursou, estando empregado ou não. A escola contrata os serviços da Provi para verificar as informações de renda oferecidas pelos estudantes.
Beatriz Hanff, professora da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), afirma que a criação de novos modelos de financiamento estudantil é positiva, mas que os alunos precisam ter garantias e prestar atenção nos termos dos contratos. Ela diz que, diferentemente do Fies (Fundo de Financiamento Estudantil), que é gerido pelo MEC (Ministério da Educação), os contratos desse sistema alternativo são como qualquer outro tipo de financiamento.
Celso Sant’Ana, psicólogo comportamental da consultoria Psicologia Financeira, afirma que a seleção dos estudantes pelas instituições de ensino é uma etapa fundamental para que o modelo tenha sucesso. O perfil dos candidatos tem sido um ponto de atenção das escolas.
Para evitar que pessoas que não se encaixam no modelo acabem fazendo os financiamentos, as instituições de ensino investem nos processos de seleção. Na Kenzie, mais de 2.000 pessoas se inscreveram no processo seletivo mais recente. Menos de 10% foram aprovadas.
Ingrid Benites, 24, conseguiu mudar de carreira graças ao sistema. Formada em Letras, ela estava insatisfeita com o trabalho de professora, mas não tinha dinheiro para pagar o curso de programação. Depois de começar a formação na Kenzie, arrumou um emprego em uma empresa norte-americana, a First Ascent.