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Competição em licitações públicas: do que temos medo?

Notícias - 14, junho, 2021
Fonte: Conjur / Por Marina Zago

Nas compras públicas, competição e negociação são conceitos temidos e afastados pela Lei 8.666/1993, na qual a disputa era restrita, unicamente, ao momento de apresentação de uma proposta (pautada, em geral, no preço).

Não há, pela Lei 8.666/1993, nem uma disputa entre as licitantes — com uma etapa de lances de preços —, nem uma negociação propriamente dita das propostas ofertadas pela Administração.

Há, ainda, uma trava para mergulho do preço: a desclassificação das propostas inexequíveis (artigo 48). Nos termos da lei, há, inclusive, a determinação de inexequibilidade para (entre outros fatores) propostas inferiores a 70% do valor orçado pela Administração. Eis a trava: ainda que um particular considere ter um ganho de eficiência significativo aos valores orçados pelo ente público, ele não “mergulhará” sua proposta ao ponto em que poderia efetivamente chegar, sob pena de tê-la desclassificada.

Essas travas à efetiva disputa entre propostas começam a ser abertas pelas leis que sucedem a Lei 8.666/1993.

Primeiras mudanças
A começar pela Lei do Pregão (Lei 10.520/2002), que revoluciona as licitações públicas ao prever, entre outras novidades, a fase de lances das propostas. Eis o cerne do pregão: um procedimento de disputa efetiva entre propostas, em que as licitantes credenciadas, por meio de lances sucessivos podem ir abaixando os valores das propostas apresentadas. Aqui, inexiste menção — seja na lei, seja no decreto regulamentador federal — de inexequibilidade das propostas.

A abertura à disputa continua com a Lei das PPPs (Lei  11.079/2004) e com uma alteração das Lei das Concessões (Lei 8.987/1995) realizada em 2005, em que se passa a prever a etapa de lances nas concorrências desses contratos. Temos, aqui, a lógica do pregão — disputa efetiva entre as licitantes — incorporada às licitações de concessões e PPPs.

A Lei do RDC (Lei 12.462/2011) também traz a etapa de disputa efetiva entre os licitantes para seu procedimento licitatório, com o nome de “modo de disputa aberta”, no qual, igualmente, é prevista a etapa de lances sucessivos de propostas. É essa a lógica que foi incorporada pela Lei 14.133/2021, a nova lei geral de licitações e contratos.

A nova Lei de Licitações de Contratos
A Lei 14.133/2021 traz mecanismos que permitem maior disputa e barganha entre os interessados em contratar com a Administração.

De partida, a lei incorpora o pregão como modalidade de licitação, adotando-o como regra geral para as compras, serviços e determinados tipos de obras.

A lei também passa a prever o modo de disputa aberto para as licitações em geral. Não só: o traz como modo obrigatório quando adotados os critérios de julgamento por menor preço ou maior desconto (artigo 56, § 1º) — enquanto proíbe sua adoção caso o critério envolva a melhor técnica (artigo 56, § 2º). Daqui, aliás, já é possível afirmar uma aproximação bastante intensa entre as modalidades de licitação de pregão e concorrência (que será, como regra, pelo modo de disputa aberto).

Outro ponto interessante é que a Lei 14.133/2021 prevê (na esteira do que já constava na Lei do RDC) que, definido o resultado da licitação, a Administração poderá negociar condições mais vantajosas com a proponente colocada em primeiro lugar (artigo 61). Ainda que se possa questionar os resultados práticos de tal previsão (isto é, qual seria o interesse do particular já vencedor em negociar os termos de sua proposta), ela mostra uma tentativa da lei de aproximar a licitação a um procedimento mais negocial.

Apesar desses movimentos, a preocupação com a inexequibilidade das propostas permanece latente na nova lei. Tão latente que o legislador até se repete, dizendo que serão desclassificadas as propostas que “apresentarem preços inexequíveis” (artigo 59, III) e que “não tiverem sua exequibilidade demonstrada, quando exigido pela Administração” (artigo 59, IV).

Competição e barganha
Nesse contexto, há duas indagações que, embora pareçam divergentes numa primeira vista, nos ajudam a definir melhor o quanto de competição queremos nas licitações públicas.

De um lado, podemos nos perguntar se essas disposições trazidas pela Lei 14.133/2021 foram suficientes para propiciar uma disputa efetiva. Pregão e o modo de disputa aberta trazem, incontestavelmente, um procedimento de disputa entre proponentes. Não temos ainda, contudo, a possibilidade efetiva de a Administração negociar as condições das propostas em geral, barganhar com as proponentes e, inclusive, ajustar contrapartidas.

Por outro lado, devemos nos perguntar se temos algo a temer com a competição. A gente tem medo do quê? Há, é claro, a premente preocupação com a proteção da qualidade do objeto contratado e com a higidez da empresa contratada. Temos, exemplificativamente, o debate (já presente nas contratações de pregão) quanto às dificuldades geradas a cumulação de um procedimento de lances (no qual se espera o mergulho de preços) com o procedimento de fases em que a habilitação ocorre após os lances. Nesse caso, o gestor contratante teria bastante dificuldade para inabilitar a licitante que ofertou uma proposta bem mais vantajosa para a Administração (sabendo-se que, em parte, o objetivo é esse mesmo: superar formalismos excessivos).

Mas, nesse caso, se a preocupação é com a qualidade do objeto contratado e da higidez da contratada, podemos indagar se travar a competição é, de fato, a melhor solução ou sequer uma alternativa eficaz. Aliás, pelo contrário: competição e barganha são mecanismos que buscam auxiliar a Administração a contratar a proposta mais vantajosa.

 

Artigo original em: https://www.conjur.com.br/2021-jun-14/zago-competicao-licitacoes-publicas-temos-medo