Por não vislumbrar predominância do interesse local, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo anulou uma lei de Sertãozinho (SP), de iniciativa parlamentar, que obrigava a secretaria municipal de Saúde a disponibilizar doses de soros antiaracnídico e antiescorpiônico nos serviços de emergência e urgência da cidade.
Na ação, a prefeitura argumentou que é da União e do estado a iniciativa de normas que disciplinam matéria referente à saúde, especialmente quanto à fabricação e fornecimento das doses dos soros, que apenas são disponibilizados aos municípios.
Por unanimidade, a ADI foi julgada procedente. Para o relator, desembargador João Carlos Saletti, a Câmara Municipal de Sertãozinho extrapolou suas atribuições e invadiu campo de iniciativa reservada ao chefe do Poder Executivo.
“Apesar de inspirada por boa intenção para atingir igualmente bons e nobres objetivos, e com atenção à proteção à saúde, a lei impõe ao Poder Executivo, bem como à secretaria municipal de Saúde, a tomada de providências, criando obrigações, interferindo na organização e funcionamento da Administração Pública, afrontando a reserva da administração assegurada pela Constituição Estadual”, afirmou.
Saletti também apontou inconstitucionalidade na parte da lei que diz que as despesas para fornecimento dos soros ficariam por conta do orçamento da secretaria municipal de Saúde: “Com isso, ofende a prerrogativa de iniciativa legislativa do chefe do Executivo para o orçamento anual, além de afetar o equilíbrio financeiro-orçamentário do Poder Executivo (artigos 174, III, e 176, I, C)”.
Aranha onipresente
Além disso, segundo o relator, a norma impugnada também invadiu competência concorrente de União, estados e Distrito Federal ao legislar sobre “proteção e defesa da saúde”, nos termos do artigo 24, XII, da Constituição Federal, aplicável aos municípios por força do artigo 144 da Constituição Estadual.
“A permissão constitucional é de suplementar a legislação federal, no que couber. Suplementar, para ajustar a norma ao particular interesse local, que absolutamente não se entrevê presente neste caso, na medida em que pessoas que tenham sofrido acidentes causados por animais peçonhentos estão em todo o território nacional, não constituindo peculiaridade de um município ou de outro”, explicou.
Após uma pesquisa no site do Instituto Butantan, Saletti constatou que o Ministério da Saúde é o órgão encarregado de adquirir os soros antipeçonhentos produzidos no Brasil e de distribuí-los por intermédio das Secretarias de Estado de Saúde. Assim, afirmou o relator, não são os municípios, mas, sim, os Estados que recebem os soros do Ministério da Saúde.
“Desse modo, não há como obrigar o município a fornecer os soros antiofídicos, antiaracnídicos e antiescorpiônicos, a demandar intervenção administrativa agora imposta pela lei em foco”, concluiu o desembargador.
Clique aqui para ler o acórdão
2071376-17.2020.8.26.0000