Terça Feira, 21 de Março de 2023 – Dia voltado para essa condição é celebrado mundialmente nesta terça
O sonho de Jéssica Pereira da Silva, de 31 anos, era abrir um restaurante. A ideia, no entanto, se consolidou com o Bellatucci Café, localizado em Pinheiros, na capital paulista. Dessa forma, ela se tornou a primeira empreendedora com síndrome de Down a se formalizar no Brasil. Nesta terça-feira (21) é celebrado o Dia Mundial da Síndrome de Down. A data é reconhecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) desde 2012 e faz referência aos três cromossomos no par 21, que caracterizam a condição genética.
“Meu sonho era abrir um restaurante, mas minha irmã e minha mãe disseram que restaurante era muito difícil e resolvemos abrir um café. O café mudou minha vida. Ficava muito em casa, assistia muita televisão. Agora chego em casa 7h da noite, trabalho de segunda a sábado”, contou Jéssica.
O gosto por cozinhar veio ao observar a própria mãe e se tornou profissão com o curso de Técnico em Gastronomia no Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac). Já formada, Jéssica teve a certeza de que queria ter um empreendimento na área de alimentação. Nas redes sociais, Jéssica conta sua rotina no café
No local, trabalham outras pessoas com síndrome de Down, inclusive Philippe Tavares, de 31 anos, o barista. “Ele era meu amigo e é barista aqui. E agora, meu namorado”, revelou Jéssica.
O jovem fez curso de barista e de garçom. “Eu amo estar aqui. Sou barista e faço cafés, cappuccino, café mocha. Sou um barista show. Conheci a Jéssica na Apae, aos 6 anos. Agora, ela é minha namorada”, contou orgulhoso.
A mãe da Jéssica, Ivânia Della Bella da Silva, é uma das facilitadoras do empreendimento e está diariamente com os trabalhadores do café. Ela faz o treinamento e os acompanha, além de driblar os contratempos e a desconfiança dos clientes.
“Os obstáculos que a gente encontra, como passar para as pessoas a confiança que eles devem ter em contratar o serviço é árduo. É um trabalho de persistência, mas verdadeiro”.
Além de servir o café no local, a cafeteria também realiza eventos empresarias, oferecendo coffee breaks e coquetéis.
“Desde pequena, a Jéssica mostrou sinais de que queria trabalhar com comidas. Ela fez curso de técnica em gastronomia e começou a gostar muito, a procurar receitas, então quis abrir um restaurante. Sugerimos abrir um café e ela ficou super feliz”, contou.
A irmã de Jéssica, Priscila, junto do marido, Douglas Batetucci, investiram no espaço. Com a pandemia, o Café mudou de lugar. Agora, funciona anexo ao Restaurante Como Assim?!, cujo o dono, um investidor social, apoiou o empreendimento de impacto social da Jéssica. “A família toda ajuda e a gente não quer parar, queremos ver o resultado dela que está sendo muito bacana”.
Ivânia aconselha pais e mães a incentivar e a estimular filhos com síndrome de Down. Sua expectativa é que, assim, a sociedade se torne mais acolhedora e aprenda a conviver melhor com pessoas diferentes.
“Os nossos filhos jovens estão abrindo caminho para esses bebês [pessoas com Down] com um leque de possibilidades. Desejo que as mães estimulem seus filhos e deixem eles serem o que eles quiserem porque eles podem, basta você confiar. Se ele gosta de uma coisa, trabalhe em cima disso que ele vai dar certo e acreditar. Tenho a experiência viva e espero que um dia a sociedade deixe de falar inclusão e fale apenas em convivência, que a gente saiba conviver com os diferentes”, argumentou Ivânia.
O empreendimento da Jéssica é um exemplo da capacidade das pessoas com síndrome de Down. No entanto, a inserção no mercado de trabalho ainda enfrenta dificuldades, explicou a psicóloga Paula Cardoso Tedeschi, que atua na Fundação Síndrome de Down, com sede em Campinas (SP).
“As barreiras são alguns estigmas e preconceitos, uma superinfantilização das pessoas. Então há barreiras físicas, atitudinais e comunicacionais que dificultam a inclusão. São esses preconceitos de imaginar que [a pessoa com Down] não pode fazer e que não tem capacidade”, disse.
Para a psicóloga, mudanças nas posturas dos colegas e dos líderes de organizações podem melhorar a inclusão das pessoas com Down no mercado de trabalho.
“É preciso mudar esse olhar muito infantilizado, de imaginar que o colega de trabalho é uma criança, de não visualizá-lo como uma pessoa adulta que tem os seus direitos e os seus deveres. É uma pessoa que está lá para fazer um tipo de serviço e a postura do colega ou do líder deve ser de apoiá-lo como a todos os funcionários. Há questões em que são necessárias de adaptações, mas essas questões não impedem que essa pessoa seja tratada como um trabalhador, que tem horários, deveres e direitos, assim como os demais”, afirmou.
A Fundação Síndrome de Down oferece, desde 1999, o Serviço de Formação e Inclusão no Mercado de Trabalho. https://www.fsdown.org.br/o-que-fazemos/formacao-e-inclusao-no-mercado-de-trabalho/ O curso é composto por quatro programas: Iniciação ao Trabalho, Vivência Prática Profissional, Contratação CLT e Sócio Laboral.
“Esse serviço é oferecido a população com síndrome de Down e deficiência intelectual, através do Serviço Único de Saúde (SUS). As famílias podem procurar os centros de saúde, que encaminham para a fundação”, explica a psicóloga.
A contratação desse público está prevista na Lei de Cotas para Pessoas com Deficiência (8.213/91). A legislação determina que a empresa com 100 e 200 empregados está obrigada a preencher 2% dos seus cargos com pessoas com deficiência. Empresas com 201 a 500, são 3%; de 501 a 1000, são 4% e de 1001 em diante são 5%. A multa para o descumprimento pode chegar a mais de R$ 200 mil.
Já o Estatuto da Pessoa com Deficiência veda a restrição ao trabalho da pessoa com deficiência e qualquer discriminação em razão de sua condição, inclusive nas etapas de recrutamento, seleção, contratação, admissão, exames admissional e periódico, permanência no emprego, ascensão profissional e reabilitação profissional, bem como exigência de aptidão plena.
Na opinião da psicóloga, é necessário que a sociedade e as empresas sejam mais inclusivas para que de fato as pessoas com Down tenham oportunidades.
“Desde a questão arquitetônica para uma adaptação e locomoção até as questões das informações para as mudanças nas barreiras atitudinais. As empresas também precisam estar mais dispostas a conhecer, a ter vivências, para que tenhamos mais possibilidades de inclusão, inclusive com planos de carreira nas empresas. É preciso uma série de mudanças para que um trabalho de fato inclusivo”, afirmou Paula.
Na visão da fundadora da ONG Nosso Olhar, Thaissa Alvarenga, a socialização e inclusão desses indivíduos deve ser trabalhada desde o berço familiar até a vida adulta. E quem convive também deve aprender mais sobre as pessoas com Down.
“No Brasil, temos a Lei de Cotas. Porém, para várias pessoas, essa realidade ainda é distante. Pessoas sem deficiência também devem ter a disposição de aprenderem para que a diversidade seja colocada em prática, assim a inclusão pode ser de fato trabalhada em todos os ambientes. Devemos promover e orientar. Para inclusão acontecer, devemos mobilizar o setor público e privado, unido com o terceiro setor”, avaliou. Thaissa atua pela garantia da capacitação, inserção no mercado de trabalho, independência financeira e autonomia das pessoas com deficiência e responsável pelo portal de conteúdos Chico e Suas Marias e Espaço Rede T21.