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A nova Lei de Licitações e a figura da “memória administrativa”

Notícias - 10, junho, 2021
Fonte: Conjur / Por Laércio José Loureiro dos Santos

A nova Lei de Licitações tem sua origem próxima na lei das estatais (Lei federal 13.303/2016) e no Regime Diferenciado de Contratações (RDC, Lei Federal 12.462/2011).

Também foi influenciada — ainda que em menor medida — pela Lei da Parceria Público-Privada (PPPs), lei anticorrupção. As leis revogadas do pregão e da lei federal 8.666/1993 também contribuíram na construção da novel legislação.

Poderíamos afirmar que a Emenda Constitucional 19/1998, que inseriu o princípio da eficácia no artigo 37, “caput”, da Constituição, só teve seu nascimento real com a presente lei.

É a primeira vez que institutos tipicamente privados, como o planejamento, a matriz de risco e o sigilo (ainda que temporário) na negociação adentraram como regra geral nos certames licitatórios.

Afirmamos isso levando-se em conta que as regras de governança corporativa na Administração Pública — propriamente dita, pessoas de direito público — só ocorreu com a novel legislação.

A lei visa introduzir conceitos corriqueiros da administração privada na Administração Pública de maneira a racionalizar a atividade administrativa. Conceitos elementares da área privada, tais como planejamento, redução de custos e padronização de procedimentos repetitivos só foram regulamentados nesse momento.

Registramos a relevância do tema da “Teoria dos jogos” para o entendimento do “jogo” que é a licitação.

A assimetria de informações entre o setor público e o setor privado é reconhecido na nova lei de licitações, assumindo-se a supremacia de informações em mãos do setor privado.

Alguns mecanismos são criados de maneira a minimizar essa assimetria de informações.

O sigilo do orçamento, por exemplo, tem como finalidade equilibrar as informações das partes, deixando no âmbito exclusivamente público o valor que será gasto na licitação. Numa aquisição privada, é muito comum que o comprador não informe quanto pretende gastar, forçando uma redução de custos na oferta do vendedor.

A nova Lei de Licitações cria uma série de mecanismos de “memória para fins contratuais”, ou seja, registro de informações pertinentes que servem de subsídio para a Administração Pública.

A experiência da vida real da Administração Pública passa a ser registrada como mecanismo de “memória administrativa” e mecanismo de acúmulo de informações que visam à busca do “equilíbrio de informações”, sempre reconhecendo a supremacia privada de dados técnicos do objeto da licitação.

Assim, prevê a hipótese de vedar a compra de marca específica que se demonstrou como inapta às finalidades públicas:

“Artigo 41  No caso de licitação que envolva o fornecimento de bens, a Administração poderá excepcionalmente:
(…)
III
 — vedar a contratação de marca ou produto, quando, mediante processo administrativo, restar comprovado que produtos adquiridos e utilizados anteriormente pela Administração não atendem a requisitos indispensáveis ao pleno adimplemento da obrigação contratual”.

Sabe aquele café horroroso originado num pó de café que foi “o mais barato” no pregão do município? Pode estar aí a solução.

Aquela marca barata de peça que sempre vence a licitação mas é superlativamente péssima no dia a dia? Também pode ser a saída.

O novo sistema cria mecanismos de memória administrativa, trazendo elementos da iniciativa privada (e do elementar bom senso) para o seio da Administração Pública.

Outra forma de garantir a qualidade — muitas vezes afastada pelo pregão em que o preço passa a ser o parâmetro por excelência — é a padronização, verdadeiro mantra da administração privada que, finalmente, desembarcou na administração pública.

Desempenho contratual como o critério de desempate
Seguindo a linha da “memória administrativa”, um dos critérios de desempate é o desempenho contratual anterior do licitante.
Assim:

“Artigo 60  Em caso de empate entre duas ou mais propostas, serão utilizados os seguintes critérios de desempate, nesta ordem:
I — disputa final, hipótese em que os licitantes empatados poderão apresentar nova proposta em ato contínuo à classificação;
II — avaliação do desempenho contratual prévio dos licitantes, para a qual deverão preferencialmente ser utilizados registros cadastrais para efeito de atesto de cumprimento de obrigações previstos nesta lei”.

Regra típica do setor privado, inserida na nova Lei de Licitações.

A finalidade da norma é a eficiência de resultados. Em razão da finalidade legislativa é que a ênfase contratual deve ser o resultado e não o meio utilizado.

Desempenho e registros cadastrais
A nova lei prevê a possibilidade de que o uso da avaliação do desempenho do licitante também pode ser parâmetro

Como já mencionado, a Administração Pública está em situação de inferioridade quanto aos conteúdos técnicos de domínio da área privada.

O mecanismo para reequilíbrio de forças é a “memória administrativa”.

Assim, prevê nosso sistema legal licitatório:

“artigo 88 (…)
§3º A atuação do contratado no cumprimento de obrigações assumidas será avaliada pelo contratante, que emitirá documento comprobatório da avaliação realizada, com menção ao seu desempenho na execução contratual, baseado em indicadores objetivamente definidos e aferidos, e a eventuais penalidades aplicadas, o que constará do registro cadastral em que a inscrição for realizada.

§4º A anotação do cumprimento de obrigações pelo contratado, de que trata o §3º deste artigo, será condicionada à implantação e à regulamentação do cadastro de atesto de cumprimento de obrigações, apto à realização do registro de forma objetiva, em atendimento aos princípios da impessoalidade, da igualdade, da isonomia, da publicidade e da transparência, de modo a possibilitar a implementação de medidas de incentivo aos licitantes que possuírem ótimo desempenho anotado em seu registro cadastral”.

Assim, temos uma espécie de “Serasa” no âmbito administrativo.

Outras consultas obrigatórias
A formalização contratual deverá ser precedida de consulta pelo setor público de regularidade fiscal e junto ao Cadastro de Empresas Inidôneas e Suspensas (Ceis) e Cadastro Nacional de Empresas Punidas (Cnep).

Reiteramos, aqui, que há uma sistematização cadastral que aproxima o setor público do setor privado. Há um conjunto de cadastros e consultas que se assemelham à “Serasa” no âmbito particular, inobstante a consulta dos órgãos públicos seja bem mais detalhada. Assim:

“artigo 91 — (…)
§4º Antes de formalizar ou prorrogar o prazo de vigência do contrato, a Administração deverá verificar a regularidade fiscal do contratado, consultar o CEIS e o CNEP, emitir as certidões negativas de inidoneidade, de impedimento e de débitos trabalhistas e juntá-las ao respectivo processo”.

A memória administrativa é um item que faz parte do dever de planejamento.

A lei federal 14.133/2.021 tem todas as condições de elevar o patamar civilizatório da gestão do poder público, transformando-o num ambiente bem administrado. A questão a saber é se o próprio poder público está preparado para dar esse passo ou se a nova lei está à frente do próprio objeto regulado.


Artigo original publicado em: https://www.conjur.com.br/2021-jun-10/loureiro-lei-licitacoes-figura-memoria-administrativa